quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O leite e o iogurte; malha e couro

Nova morada, novo trabalho, novo momento. Nova! Havia tanto a fazer, e tanto a experimentar... havia vida chegando e novos cuidados sendo exigidos.

A vida surpreendente de gente que se jogava ao trabalho em horários duros, em jornadas duplas e triplas. Enrijeci diante das perspectivas e dos sonhos “progressistas”/”positivistas” de tanta gente. A mistura da fábrica com a produção da pequena propriedade dão uma ilusão de que o trabalho dignifica, que o trabalho supera qualquer sofrimento.

E a escravidão continua nos abraços, nos gestos, na fala. A dor percorre relacionamentos e esconde feridas. O riso não é tão solto, as leis estão mais presentes.

A montanha torna a vida de difícil acesso. Mas encanta moradores, moradoras. Fascina viajantes e transportadores. Há gente que fica por um tempo, zelando, trabalhando, vivendo no meio da neblina, do sol que castiga depois do lanche da manhã. Há gente que sai dali para tentar vida mais longe, e sempre volta, para visitar, para experimentar cheiros e sabores.

Há pouca mudança. Assim como o leite que é transformado em iogurte, não há transformações substanciais. E mesmo artigos tão diferentes como malha e couro, fazem parte da mesma indústria da moda, de indústria, sim, da mão de obra que obtem alguns direitos para si e para quem fica na roça, cuidando da pequena propriedade.

Há cuidado e zelo para com o estético. Sabe-se que disso depende maior progresso e menor sofrimento. Fala-se do “atraso” social de pessoas e valores que não se modificaram e vivem à margem. Ri-se das tradições ou transformam-nas em cartões postais – musicados, vestidos, dançados – que não irão trazer nada de novo, só lembranças e aprendizados desnecessários. Mas que podem trazer algum retorno específico seja de lazer, seja financeiro.

E há muito medo do novo. Como se novas propostas, novas condutas pudessem ser travadas em algum momento histórico e se dissesse: se continuar assim, tudo estará bem.

Mas houve época de novidades. Foi época em que até rivalidades eclesiásticas foram superadas pelo “bem-comum”, pela sobrevivência em mundo diferente. Houve épocas de solidariedade entre pessoas que zelavam pela sobrevivência não só de alguns, mas de muitos.

Resquícios disso aparecem no cotidiano. Mas a vida machucada só parece encontrar lugar no escárnio ao desconhecido, ao que mostra sua face dolorida. E aí é que o sofrimento impera. E imperando a dor, a novidade não acontece.

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