E fui aprender o que era viver em terra vermelha. Com meus tênis semi-novos, claros, claro, como sempre, descobri que havia anilina por toda a parte que eu andava. O tênis que era bege, foi ficando com uma coloração rósea, semelhante aos vestidos das noivas que teimavam em dizer que vestiam branco para os casamentos.
Ao insistir na lavagem dos tênis, quase diariamente, tive que ser alertada por alguém que via nisso uma pura perda de tempo. Mal sabia ele que enquanto eu lavava o tênis, lavava alguns preconceitos, algumas verdades que não me tinham ajudado em nada até ali. Aprendi, finalmente, que poderia ter sapatos de outras cores.
O riso veio fácil quando admiti não saber diferenças básicas na agricultura local. Claro que sabia o que era milho, sempre gostei disso... e fui procurar em pasto destinado somente à alimentação de vacas. Para aumentar o riso, a brincadeira continuou durante algum tempo, quando me mostravam pés de milho e falavam em cana de açúcar. Fui desenvolvendo uma certa desconfiança quando me mostravam qualquer planta alta, que tivesse aspecto, para mim, semelhante.
Na mesma época, fui desconfiando de alguns valores antes apresentados a mim como “mais modernos” e “mais sintonizados com o progresso”. Descobri que falar em igualdade de gênero onde isso não existia, era como eleger um dos gêneros como o padrão. Descobri que minha linguagem era diferente do linguajar cotidiano, e que as pessoas não deveriam estudar para me compreender, e sim eu é que deveria “dominar” linguagem aqui e ali se quisesse ser compreendida.
Conheci algumas pessoas que haviam sofrido acidentes com o manuseio de máquinas que beneficiariam a cana de açúcar, ou com máquinas destinadas a aumentar produção alimentícia. E a comida do dia-a-dia se tornou um pouco mais respeitada: era fruto de trabalho árduo, de vidas machucadas, de atitudes nem sempre livres.
E veio o medo. Se eu não sabia nem a diferença entre pés de milho e de cana de açúcar e de capim-elefante, como saberia palavras a serem ditas a pessoas diferentes em diferentes ocasiões? Sair de uma reunião, participar da despedida de alguém, e ir correndo para festejar um enlace foi a ocasião propícia para saber que já dominava a diferença entre as plantas, entre as ocasiões “pastorais”, mas assim como plantas eram plantas, assim pessoas precisavam ser vistas em suas particularidades e seu jeito sempre igual e sempre diferente.
As plantas vingavam na mesma terra vermelha que aquelas pessoas. Se antes os tênis me haviam incomodado, agora percebia que havia árvores e cores por entre o verde das plantas e o vermelho da terra. Descobri que, se o carro estragasse ou ficasse sem combustível em determinado momento (consequência de uma lei que obrigava postos de gasolina a fecharem nos finais de semana), era momento de olhar ao redor, de admirar a paisagem, de celebrar a vida que acontecia sem o planejamento tão específico do mundo acadêmico. E aprendi a rir da vida, de momentos que a entrega ao momento era muito mais do que cumprir obrigações.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário